Neurocirurgião volta do coma e se convence que há vida após a morte

 

Dois textos para refletir sobre  a morte.
 
 1 - Medo da Vida Depois da Morte 2 - a reportagem sobre o neurocirurgião volta do coma e se convence que há vida após a morte
 
 
Neurocirurgião volta do coma e se convence que há vida após a morte
 
Alexander Eben entrou em coma profundo, teve visões de uma espécie de paraíso, e voltou convencido de que existe vida do outro lado.
 
 
O Fantástico conta uma história do além! Um neurocirurgião americano nunca acreditou em vida após a morte até passar por uma experiência dramática. Ele entrou em coma profundo, teve visões de uma espécie de paraíso, e voltou convencido de que existe vida do outro lado.
 
 
O que existe depois que a vida acaba? Para o neurocirurgião Alexander Eben, a morte sempre significou o fim de tudo. Ele entende do assunto: foi professor da escola de medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e há mais de 25 anos estuda o cérebro.
Sempre tinha uma explicação científica para os relatos dos pacientes que voltavam do coma com histórias de jornadas fora do corpo para lugares desconhecidos. Até que ele próprio vivenciou uma delas. E agora afirma: existe vida após a morte.
 
Era 10 de novembro de 2008. O doutor Alexander é levado às pressas para o hospital, com fortes dores de cabeça. Ao chegar lá, é imediatamente internado na UTI. Em poucas horas já estava em coma profundo.
Ele havia contraído uma forma rara de meningite. Quando o doutor Alexander entrou no hospital os médicos disseram à família que a possibilidade dele sobreviver seria muito baixa.  Ele ficou em coma profundo por sete dias. E foi durante esse período que o doutor Alexander afirma ter tido a experiência mais fantástica que um ser humano pode ter.
 
Na jornada que eu tive não existia corpo, apenas a minha consciência, diz o médico. Meu cérebro não funcionava. Eu não me lembrava de nada da minha vida pessoal, meus filhos, ou quem eu era.
Ele escreveu um livro para relatar a sua experiência de quase morte. E conta que primeiro foi levado para um ambiente escuro, lamacento e sem seguida chegou a um lugar bonito e tranqüilo. Um vale extenso, muito verde, cheio de flores e repleto de borboleta, diz ele. Ele conta que viu também um espírito lindo, uma mulher com uma roupa simples e com asas. Ela me disse: ‘você vai ser amado para sempre, não há nada a temer, nós vamos cuidar de você’.
Perguntamos ao doutor Alexander se ele viu Deus. Ele disse que sim: Deus estava em tudo ao meu redor, ele estava lá o tempo todo.
Um pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora participa do maior estudo mundial já feito sobre as experiências de quase morte.
“Os estudos mostram que apenas 10%, uma em cada dez pessoas que tiveram uma ressuscitação bem sucedida relatam experiência de quase morte. Os pacientes que vivenciaram uma experiência de quase morte tendem a ter ao longo do tempo, por exemplo, aumento da satisfação com a vida, tendem a ter diminuição do medo da morte, maior apreciação da espiritualidade, maior apreciação da natureza”, afirma o professor de psiquiatria da Universidade de Juiz de Fora Alexander Moreira-Almeida.
A morte é uma transição, não é o fim de tudo, resume o doutor Alexander. Minha jornada serviu para me mostrar que a consciência nossa existe além do corpo, e ela é muito mais rica fora dele. Isso pode significar que a nossa alma, nosso espírito, seria eterno.
No Brasil, existem pacientes como o doutor Alexander.  Outro caso aconteceu com a mãe de Vera Tabach que passou três meses em coma. Ela voltou contando uma história incrível.
“Ela confessou que nesse período de coma ela se viu como se fosse num quarto de hospital sempre numa cama com várias pessoas em volta de branco. Ela disse que tinha feito um acordo. Que eles tinham dado mais 20 anos para ela, que ela ia conseguir criar os filhos e depois ela ia embora. E a gente acho aquilo uma história, mas realmente aconteceu”, lembra a jornalista Vera Tabach.
Dia 17 de outubro de 1974, quando ela foi para UTI. E voltou depois de um tempo. Quando passou 20 anos, em 1994, em abril, ela começou a se sentir mal. Às 05h, 18 de outubro de 1994, ela morreu.
“Ela sempre dizia que na vida só não tinha jeito pra morte. E depois que ela voltou ela disse que até para morte tinha jeito” conta Vera Tabach.
O doutor Alexander diz que por dois anos tentou achar uma explicação científica para o que aconteceu com ele e com esses outros pacientes. Queria saber se tudo podia ser uma ilusão produzida de alguma maneira pelo cérebro, conversei com colegas da área e cheguei à conclusão de que não há como que explicar. Não foi alucinação, não foi sonho.
Mas nem todos concordam. O professor de neurociências da Universidade de Columbia, Dean Mobbs, diz que é difícil acreditar num desligamento completo do cérebro. E que mesmo no caso do doutor Alexander, outras áreas do cérebro podem ter permanecido ativas, provocando as sensações que ele descreve.
O nosso cérebro é muito bom em transformar a realidade. Em um acidente, como um trauma na cabeça, os caminhos do cérebro podem ser danificados mas é possível que ele encontre outras maneiras de identificar os sinais que vêm de fora e criar uma nova experiência como a da quase morte, por exemplo.
O uso de fortes analgésicos e a baixa oxigenação do cérebro durante estados de coma podem explicar que luzes e sons estranhos sejam percebidos pela mente.
E a sensação de estar fora do corpo já foi induzida artificialmente em muitas pesquisas. Eu acho que essas experiências de quase morte na realidade são uma maneira do cérebro lidar com um trauma.
A ciência ainda não tem respostas conclusivas sobre as experiências de quase morte.
“A grande discussão que existe hoje é: a mente é um produto do cérebro, o cérebro produz a mente; ou a mente é algo além do cérebro, mas que se relaciona com o cérebro”, questiona Alexander.
Independentemente do que tem acontecido,  diz a esposa do doutor Alexander, para ela, que ficou ao lado do leito do hospital esperando o marido voltar, o final foi feliz. Quando chegamos em casa e sentamos no sofá, não acreditei que ele estava  junto comigo de novo.
 
 
 
 
 
Medo da Vida Depois da Morte
 
 
Falar sobre a vida após a morte com uma pessoa culta pode ser difícil. "Admitamos", digo eu, "que a expectativa da morte pode ser depressiva — até mesmo, por vezes, um pouco aterrorizadora." Meu amigo, que pode ser um brilhante acadêmico ou um advogado liberal, balança a cabeça, concordando.
 
"Acontece", continuo eu, "que tenho examinado certos fatos que fazem pensar numa vida depois da morte."
 
"Fatos?", diz meu amigo.
 
Então lhe digo que há uma literatura significativa que trata das evidências — não são, necessariamente, provas — da vida depois da morte. Então eu proponho: "Apenas pense: se houvesse vida depois da morte, poderíamos dar continuidade à aventura da consciência e da evolução, à busca de mais experiência e de mais conhecimentos. Não valeria a pena examinar esses estranhos fatos: aparições, fenômenos mediúnicos, experiências fora-do-corpo, lembranças de reencarnações, e outras coisas que apontam para a possibilidade de uma vida após a morte?"
 
"Sim", comenta meu amigo, sem entusiasmo.
 
O passo seguinte é o de lhe oferecer artigos xerocados e livros importantes sobre o assunto. "Leia isto" recomendo-lhe, "e depois vamos conversar."
 
Essa espécie de pessoa que tenho em mente virá com desculpas frágeis, quando não irracionais, para não ler o livro que coloco em suas mãos. Num dos casos, o argumento poderia ser este: "São apenas palavras impressas, não há razão para se levar nada disso a sério." Outro acadêmico alegaria falta de tempo. "Quer dizer que você não pode dispor de algumas horas para ler um livro que poderia mudar sua perspectiva básica com relação à vida e à morte?", perguntei.
 
Como é estranho o fato de que essas pessoas inteligentes permaneçam não apenas indiferentes mas também que ofereçam resistência aos dados. É como se houvesse uma conspiração contra essas informações, uma necessidade de torná-la inofensiva, irrelevante ou inexistente. Essa resistência é um fenômeno interessante, e desconfio que faz parte de um medo do irracional, profundamente arraigado, um medo da Sombra, em dialeto junguiano.
 
Evidentemente, não é desta maneira que o típico indivíduo instruído e crente no moderno materialismo científico encara a questão. Ele admitirá automaticamente, que as pessoas que acreditam na vida depois da morte estão cedendo a um pensamento mágico ou se agarrando a uma fantasia esperançosa. Penso, entretanto, ser possível demonstrar que algumas pessoas se acham tão motivadas para não acreditar na vida depois da morte quanto outras estão motivadas para acreditar. Examinemos alguns dos motivos dessa descrença.
 
 
O Medo Primordial dos Mortos
 
Sir James Frazer descobriu que entre os povos tribais nativos "a imortalidade se reveste de um tal certeza que o indivíduo nem sequer sonha colocá-la em dúvida, assim como não dúvida da realidade de sua própria existência consciente". Os povos primitivos acreditavam espontaneamente na vida depois da morte. Como chegaram eles a essa crença, reconhecidamente bastante extraordinária? Para explicá-la, os materialistas científicos invocam a fé naquilo que se deseja acreditar. Freud, por exemplo, argumentava que as crenças em Deus e na imortalidade são produtos do anseio infantil de realização de desejos, sintomas da rebeldia neurótica contra a dura tirania do princípio da realidade. Otto Rank sustenta, de maneira semelhante, que o medo da morte nos inspira para inventar a ideia de um duplo — essa obscura réplica de nós mesmos que, segundo se diz, sobrevive num fantasmagórico mundo "seguinte", ou "outro" mundo. Na visão de Rank, duplicar a imagem do eu é trabalho de uma negação narcisista da ideia de extinção pessoal.
 
Será que essas explicações psicológicas da crença numa vida depois da morte correspondem às evidências da antropologia? Não. Muito pelo contrario, os fatos indicam que os povos antigos não temiam a extinção; temiam, isto sim, a vida depois da morte; não temiam a morte, e sim os mortos.
 
Frazer, por exemplo, colheu relatos de missionários e de antropólogos que confirmam esse medo primai dos mortos. Em toda a parte, na Melanésia, na Polinésia, na Nova Guiné, na Índia, na Ásia, na África e nas Américas do Sul e do Norte, os povos tribais acreditam que os espíritos dos mortos são capazes de infligir todo tipo de danos aos vivos, sendo os parentes próximos considerados como os mais letais.
 
Embora se admita que os espíritos, ocasionalmente, possam dar bons conselhos, na maior parte do tempo os povos nativos olham para eles com medo e apreensão. Os espíritos são uma fonte constante, mas evasiva, de danos, diante dos quais esses povos são sempre compelidos a bajular, e implorar favores, e a tentar enganar ou coagir os poderes do invisível. Afirmar, no entanto, como fariam psicólogos como Rank, que a crença nesses poderes é produto da realização de um desejo narcisista não é algo que soe verdadeiro. Pois, se o inconsciente estivesse apenas forjando um mundo onírico para aplacar o ego narcisista, por que então não forjar um mundo mais agradável?
 
Os povos tribais do mundo todo acreditam que durante o tempo imediatamente posterior à morte, os espíritos pairam em tomo de seus antigos domicílios terrenos e provocam os seus maiores prejuízos. Por exemplo, entre os índios tarahumara do México, "uma mãe diz a seu filhinho morto: 'Agora vá embora! Não volte mais, agora que você está morto.' E o pai diz à criança morta: 'Não volte pedindo para lhe segurar a mão. Não conhecerei mais você'". Aqui, o medo do morto supera os laços geralmente fortes do amor paterno.
 
Frazer cita estratégias para se lidar com os perigos suscitados pelas almas dos que se foram. Por exemplo, é frequente entre os nativos a crença em que a alma de uma pessoa "agarra-se", por assim dizer, às coisas que lhe pertencem. Por isso, uma das estratégias consiste em destruir a casa do morto e seus objetos pessoais. Os índios aracaunianos, puelches e patagões da América do Sul vão um pouco além e destroem toda a sua aldeia. São claramente ruinosos os efeitos econômicos do medo dos mortos. Parece, portanto, demasiado simples afirmar que a crença na sobrevivência é "consoladora"; mas seria muito mais consolador não acreditar numa vida depois da morte. Haveria muito menos com o que se preocupar, seria possível parar e começar a gozar a vida.
 
O medo primordial dos mortos e a enorme paranoia que ele pressupõe é provavelmente uma parte da herança de nossa psique coletiva. Se há uma coisa que ficou demonstrada pela psicologia profunda é que nós, seres humanos, somos museus psíquicos ambulantes. Cada um de nós leva dentro de si a arqueologia psíquica da espécie. Os inomináveis terrores que assolavam nossos ancestrais foram reprimidos, mas não desenraizados.
 
Do ponto de vista de nossa evolução psíquica, a invenção do materialismo científico foi um poderoso fetiche para banir, pelo menos de nossas mentes conscientes, o medo primordial dos espíritos hostis. A mente primitiva se acha sitiada por um medo supersticioso do outro. Por exemplo, o antiquíssimo medo do "mau olhado" mostra até que ponto estamos dispostos a projetar nossos tenebrosos impulsos sobre o outro agente da consciência. Sartre nos ofereceu uma análise moderna do "mau olhado" quando discutiu "o olhar". Parece que temos um medo inato do outro. Por trás do olho físico, há um invisível sujeito da consciência que, tal como uma Medusa, ameaça constantemente nos transformar em pedra, e nos reduzir a meros objetos.
 
É compreensível a atração exercida pelo materialismo científico: ele desanima a natureza; elimina a mente, a alma e a consciência ao reduzi-las a meros subprodutos de reações bioquímicas, destinados a serem aniquilados com a morte do corpo. A ciência afasta de nós nosso medo do outro. Não há nada no escuro que possa nos ameaçar, garante a ciência. Absolutamente nada. Não há almas que andam por aí dotadas de estranhos poderes para nos fitar, encantar, enfeitiçar ou inspecionar. Não andam por aí espíritos dotados do poder de nos infligir danos. E mesmo que existam, a morte nos livrará deles. A extinção é o supremo talismã contra o mau olhado — contra o medo da incontrolável consciência do outro.
 
 
O Medo Pagão da Vida Depois da Morte
 
A concepção pagã da vida depois da morte tinha suas raízes no medo primitivo dos mortos. Houve, entretanto, uma mudança do medo dos mortos para o medo de uma forma pouco atraente de vida depois da morte. Isto é amplamente confirmado por escritos antigos. O exemplo mais célebre está na Odisséia de Homero (livro 11, 488). Durante a descida de Ulisses ao Hades, Aquiles diz a ele: "É muito melhor permanecer sobre a terra servo de um outro... do que reinar, rei solitário, no reino de fantasmas incorpóreos." E o poeta Anacreonte escreveu: "A morte é demasiadamente terrível. Assustadoras são as profundezas do Hades." Os gregos se sentiam em casa à luz do dia; a noite os tomava tristes e intranquilos.
 
A melhor maneira de retratar o Hades é apresentá-lo como um melancólico estado alterado de consciência, um longo pesadelo ou um vaguear fora do corpo e sem objetivo. O Hades era, inquestionavelmente, o local para um tipo de vida após a morte, mas uma desagradável "vida" de servidão a poderes sombrios e impenetráveis — poderes sobre os quais sabemos alguma coisa graças às revelações da arte, das drogas e das psicoses.
 
Com a filosofia de Platão e com os mistérios de Elêusis, emergiu entre os antigos gregos uma concepção mais positiva da pós vida, embora a mente popular continuasse dominada pelas assustadoras ideias sobre o Hades.
 
O filósofo grego que muito contribuiu para combater o medo da vida depois da morte foi Epicuro (341 a.C.— 270 a.C). Ele utilizou o materialismo de Demócrito para sustentar a hipótese da dissolução da alma com a morte. Epicuro é elucidativo para nossa presente discussão pois, tal como o materialista moderno, ele foi motivado a não acreditar numa vida depois da morte. Considerado um benfeitor da humanidade, Epicuro adotou uma filosofia que foi uma das mais populares no mundo antigo. Foi um curandeiro entre os antigos, professando uma filosofia expressamente terapêutica. E o que curava ele? O medo da vida depois da morte.
 
Segundo Lucrécio, Epicuro livrou a raça humana do "pavor do Aqueronte [o rio da morte]... que tanto perturba a vida do homem, desde as suas mais recônditas profundezas". O materialismo e a negação da vida depois da morte na filosofia de Epicuro livraram as pessoas de uma forma peculiar de angústia — a angústia decorrente do pensamento de ter de enfrentar as "mais recônditas profundezas" da vida humana. Suponho que essas "recônditas profundezas" sejam o lado sombrio do inconsciente que os antigos intuitivamente percebiam ser o que nos aguarda após a morte.
 
A hipótese do Epicurismo lança alguma luz sobre os motivos que estão por trás do desenvolvimento do materialismo clássico. Podem-se discernir dois motivos principais na ascensão desta visão de mundo, motivos que parecem envolver uma contradição. Por um lado, o materialismo antigo foi uma arma para se evitar o contato com o lado sombrio da pós-vida — e é, para mim, a Sombra de Jung (o Hades é, por certo, o domínio por excelência dos fantasmas e das sombras). Por outro lado, o antigo materialismo foi uma tentativa para se fundar uma nova religião, tentativa essa que foi empreendida focalizando-se o caráter sagrado e eterno da matéria. Os átomos de Demócrito, por exemplo, possuem a característica que define os deuses, e que é a imortalidade.
 
A religiosidade do materialismo clássico é evidente desde as origens da filosofia grega da natureza. A partir de Tales, os primeiros pensadores gregos se concentraram na descoberta da arché — a fonte, a origem ou o princípio de todas as coisas. Quer se pensasse que esse princípio era a água (Tales), o ar (Anaxímenes), o fogo (Heráclito), o ilimitado (Anaximandro) ou os átomos (Demócrito), o que se buscava era aquela mesma arché de poder imortal, que os deuses outrora possuíam. A filosofia grega da natureza — de onde veio a física moderna — renunciou à imortalidade pessoal com a esperança de captar os eternos princípios da natureza.
 
As origens do materialismo científico tinham assim suas raízes numa busca do sagrado. A arché dos físicos é uma sublimação do theos — o divino e o semelhante a deus. Com as Idéias de Platão temos um princípio intermediário entre a cósmica arché da física e a psique do animismo. Nos tempos modernos, Einstein tornou-se conhecido por sua avaliação do mistério cósmico — a dimensão sagrada do mundo estudada pela Ciência.
 
De um modo geral, entretanto, a ciência moderna tem fobia dos persistentes traços do sagrado, do fantástico ou do numinoso. O progresso da ciência natural tem sido identificado com a eliminação de tudo aquilo que sugere as sombrias "profundezas interiores" que tanto assustavam Lucrécio. Seria um sacrilégio destruir a unidade da ciência ao validar forças estranhas como "mente" e "alma" pois, com isso, o indivíduo ficaria exposto ao lucreciano medo das profundezas interiores.
 
 
Medo do Terrorismo Psíquico e das Forças Sinistras
 
No entanto, não se deve exagerar o fato de que os nossos medos são historicamente condicionados. A ideia da vida depois da morte sofreu uma transformação positiva com a boa nova cristã da ressurreição. Mas essa mudança, embora abrisse a imaginação ocidental para uma visão de possibilidades mais elevadas para a morte, suscitou igualmente o espectro do inferno, da culpa e da danação. Há boas razões históricas para que pessoas bem-informadas na cultura ocidental associem a crença numa vida depois da morte a instituições opressoras e a práticas cruéis.
 
A religião retardou a evolução da ciência ocidental, como esclarece minuciosamente Andrew Dickson White, em seu livro A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom [História do Combate entre a Ciência e a Teologia na Cristandade]. As concepções orientais de carma, casta e reencarnação provocam apreensões semelhantes. Alimentar a crença na vida depois da morte é abrir uma caixa cheia de vermes: inferno, demônios, bruxaria, caça às bruxas, feiticeiras, íncubos, duendes, diabos e tantas outras coisas que as pessoas cultas consideram supersticiosas, irracionais e socialmente reacionárias.
 
Um universo no qual a vida depois da morte é um fato seria um universo cheio de entidades e de forças desconhecidas e, possivelmente, assustadoras. Relatos sobre possessões demoníacas, assombrações e outros fenômenos misteriosos já não poderiam ser descartados se houvesse razão para se acreditar numa vida depois da morte. Ora, eu não ponho em dúvida o fato de que o medo de sinistras forças sobrenaturais continua vivo e atuante nas mentes inconscientes de muitos seres humanos superficialmente racionais. O estudo dos sonhos e do comportamento de psicóticos mostra quão próximas de nossa vida mental normal estão as "sombras" do inconsciente. A possibilidade de uma vida depois da morte poderia incitar medos do que é sinistro e misterioso em racionalistas tímidos; daí o atrativo de um paradigma materialista, susceptível de ser usado como escudo racionalista contra esses medos.
 
O poder de encantamento do paradigma materialista impede muitas pessoas cultas de, pelo menos, levarem em consideração a possibilidade de que a crença numa vida após a morte pode ter fundamentos racionais. As pessoas se envolvem, emocional e intelectualmente, com o materialismo científico. Qualquer insinuação de anomalia psíquica é bem capaz de despertar em alguns de nós o lucreciano pavor do Aqueronte. Grupos como o infame CSICOP — Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal [Comité para a Investigação Científica das Alegações do Paranormal] se acham tão motivados a acreditar no materialismo quanto qualquer pregador da Bíblia se acha motivado a acreditar no reino de Deus.
 
 
Outras Razões para Temer a Vida Depois da Morte
 
Medo do julgamento, da culpa e do castigo cármico. Se temos razão para acreditar numa vida depois da morte, muitos de nós deveriam sentir medo de Deus, do inferno ou do julgamento. A perspectiva de uma vida após a morte poderia despertar ideias de pecado, culpa, poluição, corrupção, castigo, purificação e outras coisas que tendemos a considerar como repugnantes e perturbadoras. À semelhança de alguns adeptos da new age, os racionalistas científicos anseiam por livrar o mundo dessas ideias desagradáveis, particularmente as de culpa e de inferno. Corresponderia, pois, aos nossos propósitos não acreditar na vida após a morte.
 
No Fédon, Platão diz que o homem mau daria boas vindas à morte se ela significasse a extinção pois, nesse caso, ele não precisaria se preocupar com as consequências de seus atos. E, se não houvesse reencarnação, ele não teria de se preocupar com a luta para se auto aperfeiçoar de uma vida para a seguinte. No final das contas, não são muitos de nós os que se regozijam com a ideia de lutar para sempre contra as suas fraquezas. Desse modo, a preguiça moral e a preguiça espiritual constituem bons motivos para não se acreditar numa vida depois da morte.
 
 
Medo da iluminação.
 
De acordo com o Livro Tibetano dos Mortos, e também com os relatos daqueles que tiveram experiências de quase-morte, depois de mortos defrontamo-nos com uma luz deslumbrante e amedrontadora. Diz a tradição tibetana que essa luz é profundamente desorientadora e, no caso do ser humano comum, leva finalmente à reencarnação porque a maioria de nós não está preparada espiritualmente para reconhecer a natureza dessa luz, nem para fundir-se nela, alcançando assim a libertação dos domínios da existência condicionada.
 
Suponhamos, agora, que a reencarnação é um fato. Neste caso, é possível que nos lembremos inconscientemente de passados encontros com essa luz. Quanto menos preparados nós estivermos para a iluminação, para imergir e nos fundir na luz, maior será nossa tendência para rechaçar esses encontros. Os que não estão espiritualmente preparados seriam assim motivados a não acreditar na vida depois da morte; seria preferível a extinção, assim como um sono sem sonhos é preferível a um sono com pesadelos.
 
 
Medo de se achar desamparado num ambiente estranho.
 
A ideia de ter de prosseguir num lugar onde nosso status habitual, nossas capacidades cognitivas e nossas posses materiais são inúteis é muito desagradável. Num mundo em que estaremos após a morte seriam necessárias habilidades interiores de um tipo inteiramente diferente.
 
Se Platão está certo, a única coisa que levamos conosco para o mundo futuro é a nossa paidea — nossa educação. As pessoas inseguras quanto à sua educação espiritual poderiam temer a vida depois da morte; os tipos excessivamente racionais relutariam em se encontrar num local onde tivessem de contar com habilidades não-racionais para seguir em frente. Quanto mais presa a regras for sua mentalidade, menos receptiva há de ser a pessoa à ideia de uma vida depois da morte.
 
 
Pessimismo e medo da vida depois da morte.
 
O filósofo C. D. Broad comentou certa vez que se sentiria mais aborrecido que surpreso se se descobrisse consciente depois da morte. Não é provável que a vida depois da morte seja melhor que a de antes, diz Broad. Pode ser até mesmo pior. Broad sabe que a crença numa vida após a morte é independente, do ponto de vista lógico, da crença em Deus: mesmo que não exista Deus, seria possível haver uma vida depois da morte. Desse modo, poderíamos nos encontrar depois de mortos num mundo sem Deus, onde o mal continuasse tão poderoso como sempre o foi. Portanto, um pessimista poderia ter mais receio da vida depois da morte que de uma simples extinção. A extinção tem suas vantagens: pelo menos não estaríamos mais conscientes e, por conseguinte, não haveria mais percepção de nenhuma dor, moral ou sensorial.
 
 
A Preferência pelo Significado em vez da Evidência
 
Um fenômeno intrigante é o crescente interesse pelas "vidas passadas". É cada vez maior o número de pessoas que falam sobre suas vidas passadas; não obstante, na maioria dos casos, esse interesse não tem nada a ver com a tentativa de provar lembranças autênticas de vidas passadas. Os apaixonados pela questão das vidas passadas não se debruçam sobre os eruditos livros do Dr. Ian Stevenson. Não buscam um fundamento científico racional para sua crença.
 
Parece, então, que está acontecendo alguma coisa a mais, que estamos testemunhando a formação espontânea de um mito da reencarnação. A busca de vidas passadas parece envolver mais uma busca de significados presentes, estreitamente ligada a uma procura de fragmentos dispersos da psique que precisam ser integrados. Em outras palavras, as "vidas passadas" que as pessoas imaginam ter vivido podem, na verdade, ser partes delas mesmas, "sub-eus" que elas precisam fazer chegar à consciência para se tomarem um todo. Por conseguinte, para uma análise racional do conceito de reencarnação, a busca de evidências viria apenas interferir nos processos de construção de mitos e de construção da alma.
 
Para esse tipo de pessoas, portanto, a pequena inclinação a considerar as evidências não é devida ao medo da vida depois da morte, mas sim ao fato de que elas automaticamente têm como certa a vida depois da morte. Essas pessoas consideram a investigação científica e filosófica da vida depois da morte como secundária diante da tarefa mais urgente, a de procurar tomar sua vida atual mais significativa e coerente. Na verdade, falar em "provas" pode soar como algo incômodo, uma ameaça à estabilidade interior. O que me leva a concluir que aquilo que muitas pessoas desejam não é tanto o se assegurar de uma vida depois da morte, mas sim, assegurar-se de que sua existência atual, sobretudo os seus sofrimentos, têm sentido.
 
 
Um Novo Paradigma de Sobrevivência
 
Estivemos examinando alguns motivos para não se acreditar na vida após a morte. Porém, até mesmo os que acreditam podem estar motivados a não examinar essa questão com olhos excessivamente críticos. Em ambos os casos, chocamo-nos com obstáculos para chegar à verdade sobre uma vida após a morte.
 
Pretendo agora me voltar para algumas observações construtivas sobre o problema da pesquisa sobre a sobrevivência. Proponho olharmos para a questão do "pós vida" a partir de uma perspectiva evolucionista. A suposição convencional é a de que ou sobrevivemos ou não sobrevivemos depois da morte. Entretanto, quando somos evolucionistas — e é difícil negar a perspectiva evolucionista geral — admitimos que a vida e a consciência humana emergiram no devido tempo. Segue-se daí que o fato de uma vida depois da morte também deve ter emergido no passado ou deve estar emergindo atualmente. Minha sugestão é a de que as condições para uma "vida após a morte" talvez estejam em processo de emergir.
 
Essa hipótese teria a vantagem de fazer com que tivessem mais sentido a ambiguidade e o fato de serem incompletas as evidências; esta incompletude das evidências apenas refletiria a evolução, ainda incompleta, dos mecanismos da vida depois da morte.
 
Será que estamos, de fato, apenas começando a desenvolver os "órgãos" da imortalidade? Ainda não conhecemos as implicações evolutivas de coisas tais como arrebatamentos mediúnicos, visões na quase-morte, viagens fora-do-corpo, percepções anômalas do tempo, aparições, poltergeists, milagres de santos e de avatares e tantas outras coisas. Esses fenômenos talvez constituam apenas o início de uma imensa evolução da mente da espécie. Podemos abrir os horizontes de nosso pensamento lembrando-nos de que habitamos um universo em evolução, e de que nós mesmos somos singularidades evolutivas. Os historiadores da ciência chegaram a reconhecer a crucial importância das anomalias na evolução da própria ciência. Deveríamos, pois, considerar a possibilidade de que as anomalias no comportamento humano poderiam ser fundamentais para a evolução da espécie humana.
 
O animal humano constitui um enigma para si mesmo. Para poder avaliar o âmbito potencial de nosso ser e de nossa função, precisamos reunir todas as evidências que pudermos encontrar. Nossa costumeira visão "consensual" da realidade é uma construção humana, uma mera seleção de dados, uma simples disposição de ideias numa lente conceitual através de onde olhamos para o mundo e para nós mesmos. Mas sempre podemos selecionar novos dados, recompor nossas ideias, reajustar nossa lente conceitual para fazer uma revisão da realidade humana. Se estivermos dispostos a tanto, a pesquisa parapsicológica nos fornecerá dados de grande interesse.
 
Aqueles que, por assim dizer, seriam os construtores de um novo paradigma da morte podem encontrar toda uma variedade de anomalias psíquicas relacionadas com a morte, desde os deslocamentos telecinéticos de objetos materiais no momento da morte até visões transcendentais no leito de morte. Há um certo número de coisas enigmáticas com relação à morte, porém a maioria dos cientistas as varre para debaixo do tapete. Como já observamos, a ciência materialista não se sente à vontade diante de estranheza da morte, e a pesquisa da sobrevivência é um ramo negligenciado do estudo, até mesmo entre os modernos parapsicólogos. A meu ver, precisamos de uma nova abordagem, de um novo paradigma para a sobrevivência. Talvez me seja possível deixar isto um pouco mais claro se eu disser alguma coisa sobre três tipos de pesquisa sobre a vida após a morte. O novo paradigma, em minha opinião, precisa combinar essas três abordagens.
 
Para começar, temos o modelo das pesquisas sobre a sobrevivência baseado no estudo dos indícios. Nesse modelo, as lembranças de reencarnações, as aparições, as experiências fora-do-corpo, as mensagens mediúnicas, os fenômenos vocais captados por via eletrônica, as fotografias espíritas, etc, permitem-nos captar um indício de um ser humano falecido. A partir desses indícios, somos levados a crer, por exemplo, que nosso falecido tio Otávio ainda é um sujeito consciente de experiências, em algum lugar, de alguma maneira.
 
No entanto, o modelo dos indícios se defronta com alguns problemas. Por exemplo, de onde vêm os indícios? Será que provêm, realmente, da pessoa morta ou, como sugeriram alguns pesquisadores, de algum espectro psimediado, e manipulado por uma mente subliminal extremamente astuciosa e capaz de se iludir a si mesma? O modelo dos indícios é fascinante mas, até agora, mostrou-se inconclusivo. Contém, indiscutivelmente, material o bastante para garantir novas investigações. Eu próprio estive às voltas com algumas entidades fantasmagóricas e respeito sua enigmática natureza.
 
Uma abordagem mais direta da pesquisa sobre a sobrevivência pode ser denominada abordagem específica de estado. A experiência de quase-morte é um exemplo perfeito. Temos aí um certo tipo de experiência extraordinária que nos permite sentir que sabemos alguma coisa. (Por enquanto, classifique-se como epistemologia do "conhecimento" específico de estado.) O importante é que a pessoa fica subjetivamente convencida da realidade de uma vida após a morte. Essas experiências podem nos transformar completamente, por vezes de maneira interessante. Podemos dar a esse modelo o nome de modelo "gnóstico". A gnose do post mortem tanto pode vir através das experiências de quase-morte como através de outras experiências transformadoras: meditação profunda, êxtase em intercursos sexuais, encontros com OVNIs, grandes sonhos (no sentido xamânico), drogas psicotrópicas, danças de transe, aparições coletivas, channeling, e assim por diante.
 
Em si mesmo, porém, o modelo gnóstico ou específico de estado não é suficiente. Precisa ser suplementado pelo modelo dos indícios. Para evitar enganos e inflação psíquica, nosso "conhecimento" específico de estado precisa fundamentar-se no domínio dos fatos objetivos. No entanto, nem o modelo dos indícios nem o específico de estado são, por si mesmos, suficientes. Também precisam ser suplementados por uma terceira abordagem, que denominarei modelo da ressurreição.
 
De acordo com esse modelo, o corpo humano vivo e ordinário é potencialmente capaz de se transformar num corpo espiritual de um tipo superior. Aqui, a hipótese proposta é a de que nossos corpos foram planejados com muitas potencialidades ocultas para transmutação. A tradição cristã, evidentemente, encara essa transmutação em termos religiosos. Mas, na medida em que enfatiza o potencial de mutação, o modelo da ressurreição é também um modelo evolutivo. Aqui, a religião prenuncia a ciência evolutiva.
 
Quais são as evidências para essa abordagem? Para os cristãos, é a ressurreição de Jesus. Jesus havia, de fato, predito que as pessoas o seguiriam e praticariam feitos ainda mais grandiosos. Em seu lugar viria um Consolador — um Espírito com o Poder de Curar. E Jesus estava certo quanto aos prodígios que viriam. Os anais da Igreja Católica contêm uma quantidade impressionante de documentos sobre exóticas maravilhas do potencial humano. Os dados católicos referentes aos milagres constituem evidências do modelo da ressurreição. Dizem-nos alguma coisa sobre a possível evolução da espécie humana. Têm sido documentados casos de levitação, estigmas, curas, materializações, não-corrupção do corpo, capacidade de viver sem se alimentar, e outros fenômenos extraordinários.
 
Por que esses fenômenos são importantes para a pesquisa sobre a sobrevivência? Em primeiro lugar, eles demonstram a existência de funções que parecem atuar independentemente das conhecidas leis da física. Eles indicam a existência de uma física diferente, uma física do espírito criativo. Os dados sobre os milagres constituem evidências de "ressurreições" parciais e transitórias, de uma drástica elevação de funções corporais humanas.
 
Como foi mencionado, o novo paradigma da sobrevivência proposto por mim utilizaria os três modelos: o dos indícios, o específico de estado e o da ressurreição. Todos os três têm algo para oferecer e são todos necessários para se completar uns aos outros.
 
O modelo dos indícios nos colocou diante de um grande número de fatos enigmáticos cujo principal efeito é nos deixar perplexos ao nos introduzir na percepção de novas possibilidades. O estudo desses indícios fugidios de pessoas mortas tem o mérito de nos abrir a mente para possibilidades de vida que jamais seríamos capazes de imaginar se não tivéssemos entrado em contato com os dados em questão. Eles nos oferecem uma vantagem teórica diante daqueles que não acreditam.
 
No entanto, a teoria não basta. Como seres humanos, precisamos sentir as nossas verdades, tanto quanto pensá-las. O modelo específico de estado para a pesquisa sobre a sobrevivência é um caminho para a dimensão subjetiva da verdade. (Alguns filósofos negam que exista uma "verdade subjetiva"; mas isto supõe apenas um conceito muito restrito de verdade).
 
A meu ver, podemos nos considerar afortunados se passamos por uma experiência que desperta em nós uma sensação visceral da vida depois da morte. Uma viagem fora-do-corpo vivenciada na iminência da morte, uma abdução que nos leva através de estranhas dimensões, uma visão de uma deusa luminosa ou um encontro com homens misteriosos vestidos de negro — essas experiências podem estar nos transmitindo alguma coisa a respeito da vida após a morte. Em todo caso, a região post-mortem deve envolver e, em certos pontos, cruzar com esta vida presente. Certos tipos de experiência podem ser, de fato, janelas para o "outro mundo" da pós vida.
 
À medida que forem compartilhando suas experiências do "outro mundo", as pessoas irão constituindo um novo consenso. E, por sua vez, a criação desse novo consenso terá implicações para a evolução. Pois se uma necessidade se aglutina numa dinâmica de grupo, se um novo "campo morfogenético" de intenções se solidifica, é possível que alguns hábitos ou leis da natureza se "rompam" ou se transformem, tornando assim possíveis novas formas de vida. Se um novo consenso de pessoas dotadas de crença específica de estado admitirem a realidade de uma vida depois da morte, a natureza pode se modificar e criar uma nova forma de vida depois da morte.
 
Entretanto, a abordagem específica de estado para a sobrevivência apenas nos oferece verdades subjetivas. Mas a verdade tem muitas facetas. Verum et factum convertuntur é a fórmula de Vico para a verdade histórica ou evolutiva: o que é verdadeiro e o que fazemos com que seja verdadeiro são uma única e mesma coisa. Um modelo viquiano de verdade nos permite olhar para a questão da vida após a morte de uma nova maneira. De acordo com esse modelo, para que a vida depois da morte seja uma verdade, teremos de fazer dela uma verdade. Trata-se de um antigo modelo de verdade — de verdade criativa — diferente do tipo preposicional de verdade, que se limita a espelhar os fatos. Para Vico, a verdade é sempre aquilo que fazemos com que ela seja.
 
É aqui que entra o modelo da ressurreição. Nesse modelo, a "vida depois da morte", ou "próxima vida", refere-se a certos potenciais criativos extremos, latentes na vida presente. O que se enfatiza não é a imortalidade da alma, mas a ressurreição, a transformação do corpo. Trata-se de uma teoria prática, de uma teoria experimental da vida depois da morte. O "pós vida" toma-se, aqui, parte do potencial evolutivo da vida presente, e a única maneira de saber que ela é verdadeira é torná-la verdadeira.
 
Mas como? Uma das maneiras consiste em transcender os limites básicos da existência corporal. Os fenômenos dos santos — levitação, hipertermia, materialização, bilocação, e outros semelhantes — transcendem os limites básicos da função corporal; e, ao fazê-lo, eles apontam para possíveis formas de função na humanidade futura.
 
Por conseguinte, de acordo com esse terceiro modelo de pesquisa sobre a sobrevivência, o mundo corporificado toma-se o novo campo de estudos da "pós vida". É aqui sobre a terra que vemos os primeiros sinais da "vida futura". Os mais espetaculares são as anomalias psicofísicas a que damos o nome de "milagres". Quando José de Copertino levita, ou o Padre Pio produz estigmas, ou Teresa Neumann deixa de ingerir alimentos e água (assim como de eliminá-los) durante trinta e cinco anos, presenciamos a transmutação da existência material em formas que se vão assemelhando cada vez mais a uma vida espiritual post-mortem. O corpo de Copertino é literalmente atraído para cima, em direção ao céu. A matéria está se tomando, pouco a pouco, transparente às aspirações do espírito.
 
Mas este é apenas o primeiro passo no modelo da ressurreição — a moldagem da forma exterior. Há muitos passos pela frente. A ressurreição de uma pessoa toda — a de Jesus em Cristo — é o nosso arquétipo. Como disse Jung, Cristo é o arquétipo da individuação. A revelação junguiana é a de que não existe cristianismo. Existe apenas a luta única e irrepetível de cada indivíduo para encarnar a imagem de Deus.
 
Esse terceiro caminho para a pesquisa sobre a sobrevivência tem, portanto, a ver com o processo de se tornar um indivíduo. A "ressurreição" e a transformação concretas de cada indivíduo sobre a terra é parte do experimento. Cada vida salva, libertada, aperfeiçoada, contribui para a construção da nova terra e do novo céu. É aqui, na libertação e na transformação da existência terrena que fica provada a "vida depois da morte" — mas "provada" no sentido italiano de provar e "experimentar".
 
Permitam-me expressar meu ponto de vista da maneira mais contundente possível: a melhor maneira de "provar" a vida depois da morte é trazer o paraíso para a terra. Por um motivo: isto ajudaria a justificar nosso anseio por uma pós-vida. C. D. Broad tinha uma certa razão: precisamos ter a certeza de que as coisas vão melhorar. O remédio para o pessimismo de Broad é saborear o paraíso sobre a terra.
 
O primeiro passo rumo à criação do paraíso sobre a terra seria o de curar a ecologia do planeta. A palavra paraíso é de origem persa: significa "jardim". Quando começarmos a transformar o planeta num jardim — em paraíso — estaremos começando a materializar a "vida depois da morte". Quando restaurarmos a beleza do planeta e libertarmos o esplendor das formas de vida individuais, estaremos nos encaminhando para a superação do dualismo de céu e terra, eternidade e tempo, divino e humano. De qualquer maneira, deveríamos nos empenhar em criar o paraíso sobre a terra para compensar todos os infernos que já produzimos. É estranho: nossa diabólica genialidade para criar dor e feiúra desnecessárias sobre a terra nos proporcionou fundamentos para a esperança no modo da ressurreição. Pois essas mesmas energias extremas de destruição podem ser, em princípio, utilizadas para se criar um paraíso sobre a terra. Restaurar o paraíso sobre a terra exige uma revolução curativa. Nossas noções de Deus, verdade, valor, trabalho, poder e relações humanas terão de ser viradas de cabeça para baixo e de dentro para fora.
 
Será que existe uma vida depois da morte? Tentemos transformar isso em verdade criando o paraíso agora.
 
Referências
 
1. J. Frazer, The Belief in Immortality (Londres: Macmillan, 1913), p. 468.
 
2. Ibid., p. 176.
 
3. F. T. Elsworthy, The Evil Eye (Secaucus, N. J.: University Books, 1895).
 
4. J. P. Sartre, Being and Nothingness (Nova York: Washington Square Press 1966).
 
5. A. D. White, A History of the Warfare of Science with Theology in Cristendom (Magnolia, Mass.: Peter Smith, 1965).
 
6. H. Thurston, The Psysical Phenomena of Mysticism (Londres: Burns & Oates, 1953); R. Rogo, Miracles (Nova York: Dial Press, 1982).
 
7. A. Gauld, Mediumship and Survival (Londres: Heinemann, 1982).
 
8. R. Sheldrake, A New Science of Life (Los Angeles: J. P. Tarcher, 1981).
 
9. G. Vico, Selected Writings, org. Leon Pompa (Cambridge: Cambridge University Press, 1982).
 
10. M. Grosso, "Padre Pio and Future Man"; Critique, fevereiro de 1989, pp 26-34.
 
11. J. Steiner, Therese Neumann (Nova York: Washington Square Press, 1966).
 
MICHAEL GROSSO, Ph.D.
Professor de filosofia e religião no Jersey City State College.