O ESPIRITISMO E O FUTURO DA HUMANIDADE

(…)

          “Está nas vicissitudes das coisas humanas, ou, melhor dizendo, parece fatalmente reservado a toda ideia nova ser mal acolhida ao seu aparecimento. Como, as mais das vezes, tem por missão derrubar ideias que a precederam, encontra resistência muito grande da parte do entendimento humano.

          “O homem que viveu com preconceitos não acolhe senão com desconfiança a recém-chegada, que tende a modificar, a destruir mesmo combinações e ideias fixas em seu espírito, a forçá-lo, numa palavra, a meter mãos à obra, para correr atrás da verdade. Aliás, sente-se humilhado em seu orgulho, por ter vivido no erro.

          “A repulsa que inspira a ideia nova é muito mais acentuada ainda quando traz consigo obrigações, deveres; quando impõe uma linha de conduta mais severa.

          “Ela encontra enfim ataques sistemáticos, ardentes, obstinados, quando ameaça posições conquistadas, e sobretudo quando se defronta com o fanatismo ou com opiniões profundamente arraigadas na tradição dos séculos.

          “As doutrinas novas, pois, sempre têm numerosos detratores; muitas vezes elas têm mesmo que sofrer perseguição, o que levou Fontenelle a dizer: ‘Que se tivesse todas as verdades na mão, teria o cuidado de não a abrir.’

          “Tais eram o desfavor e os perigos que esperavam o Espiritismo quando do seu aparecimento no mundo das ideias. Os insultos, a zombaria, a calúnia não lhe foram poupados; e, talvez, também venha o dia da perseguição. Os adeptos do Espiritismo foram tratados de iluminados, alucinados, patetas e loucos, e a essa enxurrada de epítetos que, todavia, pareciam contradizer-se e excluir-se, acrescentaram os de impostores, charlatães e, finalmente, de partidários de Satã.

          “A qualificação de louco é a que parece mais especialmente reservada a todo promotor ou propagador de ideias novas. É assim que trataram de louco o primeiro que se atreveu a dizer que a Terra girava em torno do Sol.

          “Também era louco o célebre navegador que descobriu um novo mundo. Ainda era louco, para o areópago da Ciência, o que descobriu a força do vapor. E a douta assembleia acolheu, com sorriso desdenhoso, a sábia dissertação de Franklin sobre as propriedades da eletricidade e a teoria do para-raios.

          “Ele também, o divino regenerador da Humanidade, o reformador autorizado da lei de Moisés, não foi tratado de louco? Não expiou por um suplício ignominioso a propagação dos benefícios da moral divina na Terra?

          “Galileu não expiou como herético, num sequestro cruel e em amargas perseguições morais, a glória de ter sido o primeiro a ter a iniciativa do sistema planetário cujas leis Newton devia promulgar?

          “São João Batista, o precursor do Cristo, também tinha sido sacrificado à vingança dos culpados, cujos crimes condenara.

          “Os apóstolos, depositários dos ensinamentos do divino Messias, tiveram que selar com sangue a santidade de sua missão. E a religião reformada por sua vez não foi perseguida e, após os massacres de São Bartolomeu, não teve que sofrer as dragonadas?

          “Enfim, remontando até o ostracismo inspirado por outras paixões, vemos Aristides exilado e Sócrates condenado a beber cicuta.

          “Sem dúvida, graças aos costumes suaves que caracterizam nosso século, sob o império de nossas instituições e das luzes que põem um freio à intolerância fanática, as fogueiras não mais se erguerão para purificar com suas chamas as doutrinas espíritas, cuja paternidade pretendem fazer remontar a Satã. Mas elas também devem esperar um levante dos mais hostis e ataque de ardentes adversários.

          “Entretanto, este estado militante não poderia debilitar a coragem dos que estão animados por uma convicção profunda, dos que têm a certeza de ter nas mãos uma dessas verdades fecundas, que constituem, em seus desdobramentos, um grande benefício para a Humanidade.

          “Mas, seja como for o antagonismo das ideias ou das doutrinas que o Espiritismo suscitar; sejam quais forem os perigos que deva abrir sob os passos dos adeptos, o espírita não poderia deixar esta luz sob o alqueire e se recusar a lhe dar todo o brilho que ela comporta, o apoio de suas convicções e o testemunho sincero de sua consciência.

          “O Espiritismo, revelando ao homem a economia de sua organização, iniciando-o no conhecimento de seus destinos, abre um campo imenso às suas meditações. Assim o filósofo espírita, chamado a levar suas investigações a esses novos e esplêndidos horizontes só tem por limites o infinito. Assiste, de certo modo, ao conselho supremo do Criador. Mas o entusiasmo é o escolho que deve evitar, sobretudo quando lança suas vistas sobre o homem, tornado tão grande e que, no entanto, por orgulho se faz tão pequeno. Não é senão quando esclarecido pelas luzes de uma prudente razão, e tomando por guia a fria e severa lógica, que deve dirigir suas peregrinações no domínio da ciência divina, cujo véu foi erguido pelos Espíritos.

          (…)

          “Estamos convictos de que, quem quer que, sem partido preconcebido de oposição sistemática, fizer, como nós fizemos, um estudo consciencioso da Doutrina Espírita, a considerará como uma das coisas que interessam no mais alto grau o futuro da Humanidade.”

 

Michel Bonnamy

A Razão do Espiritismo

 

Livro:  Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos – Ano X, 1867

            (nº 11 – novembro de 1867)

            Allan Kardec

          FEB - Federação Espírita Brasileira